Bowie e inovação

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“Como foi o caso de Miles Davis no jazz, Bowie veio não apenas para representar suas inovações, mas para simbolizar o rock moderno como uma linguagem em que literatura, arte, moda, estilo, apelo sexual e comentário social podem ser integrados em algo único.” (revista Rolling Stone, citada em davidbowie.com).

Muitas palavras poderiam descrever David Bowie, mas há uma que consistentemente pode ser associada ao seu nome: inovação. Ao longo da carreira, ele inventou e reinventou-se o tempo inteiro. Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Thin White Duke, seus personagens no cinema, a relação dele com a moda e o design, enfim, nuances diversas de um artista completo atestaram a sua paixão pela reinvenção e transformação. Passado o primeiro choque da noticia de sua morte, mas ainda em luto pela perda, refleti então sobre as lições que Bowie pode ter nos deixado no campo da inovação.

Lembrei da minha tentativa de quando em Londres ir à exposição sobre a carreira dele, no Victoria & Albert Museum. Felizmente, essa mesma exposição veio para o MIS em São Paulo e, claro, adquiri também o catálogo completo da mostra, onde são descritas muitas informações de bastidores. Como fã, já acompanhava a carreira e colecionava CD’s e DVD’s , mas dentre outras coisas, na exposição chamou-me a atenção alguns detalhes do processo criativo utilizado por ele.

Dentre as experimentações, lá estava uma de meados dos anos 90: a criação, junto com um desenvolvedor, de um software que lhe permitia cortar frases, colocá-las em ordem aleatória e reorganizá-las. Ele o chamava de “Verbasizer” e dizia que ao utilizá-lo, ele gerava um verdadeiro caleidoscópio de significados, temas, substantivos e verbos. Bowie ficou deslumbrado e utilizou a tecnologia como um brinquedo, uma ferramenta que ampliava as suas possibilidades criativas e não apenas como um mecanismo voltado para a eficiência. Esta poderia ser uma primeira lição: encarar a tecnologia não como a única abordagem possível para obter inovação, mas encará-la como ferramenta criativa.

A paixão de Bowie por novidade não foi limitada às letras; a experimentação também esteve presente em sua música. Ele experimentou diferentes jeitos de cantar, como por exemplo adotando estilo vocais diversos. Nas gravações de “Heroes”, usou microfones diversos a diferentes distâncias para criar efeitos inéditos de reverberação. Suas inspirações eram bastante variadas, indo desde o teatro Kabuki japonês até o balé ou a literatura beatnik de William Burroughs. Bebendo de fontes inumeráveis e combinando-as com seu estilo o fizeram único e lhe permitiu mudar o tempo todo, a ponto de ser chamado de camaleão. Não um que se esconde, ao contrário, um que procura se mostrar sob diferentes cores e aparências. E, além da música, Bowie nos brindou com uma alegre experimentação com a sua própria identidade e aparência, em uma declaração orgulhosa e profunda de autonomia e expressão. Ele pode até ter exagerado em alguns momentos, mas foi sempre autêntico, divertindo-se com a moda e realizando atos radicais e provocadores. A abertura ao novo, a prototipagem rápida e a consciência do impacto que se deseja causar, são atitudes essenciais na gestão da inovação.

Durante a sua carreira e após o anúncio da sua morte, vimos muitas declarações de outros artistas e pessoas diversas que conviveram com ele. Madonna, em um texto no Facebook, disse: “Bowie mudou o curso da minha vida para sempre (…) Ele foi tão inspirador e inovador. Único e provocante. Um verdadeiro gênio.” Mesmo aberto a influências e sempre antenado com o espírito da época, Bowie sempre foi ele mesmo e o que o mantinha coeso era seu senso de si mesmo como um rebelde. “Eu realmente não posso escrever ou produzir muito se eu estou em um lugar que é relaxante”, disse ele em 2000. “Eu tenho que ter um conjunto de conflitos acontecendo ao meu redor.” Ele parecia conscientemente usufruir de uma tensão criativa, que o levava a tentar caminhos diferentes, outra lição que podemos obter. Tentar apaziguar a todo custo as tensões características da busca do novo pode ser confortante, mas contra-produtivo.

Seriam muitas outras lições que poderíamos enumerar, no campo das atitudes ou no campo dos procedimentos necessários ao pensar criativo e inovador, mas poderíamos resumir o que Bowie pode nos ensinar sobre inovação destacando a importância de manter-se fiel à missão proposta. Reinventando-se, sim, mas mantendo o foco. Bowie manteve-se fiel à sua missão até o fim, deixando-nos mais uma obra-prima, o álbum “BlackStar”. Ziggy Stardust resolveu tocar jazz.